sou terrível a seguir o gps – confundo a esquerda com a direita, o norte com o sul, as saídas e os metros e os kilómetros. não sei nomes de ruas nem auto-estradas nem nacionais nem IPs nem vias equiparadas. saio de casa 15 minutos antes do suposto para prevenir as vezes que me vou perder e o tempo que demoro a estacionar, e se fico sem bateria o melhor é esquecerem que tínhamos planos porque o mais provável é eu nunca chegar ao destino. ou ir parar a lisboa a tentar.
é comum as pessoas assumirem que vou (ou devia) saber o caminho só porque já o fiz duas, três ou dez vezes, quando a verdade é que tenho todas as moradas importantes e dos sítios que mais frequento guardadas como favoritos na aplicação do gps.
houve uma altura em que isto me incomodava – sentia-me inútil, infantil e dependente. três coisas que são, até certo ponto, verdade. mas no fundo não é só no carro ou a seguir o gps que me perco, sou despassarada e aérea por natureza e cada vez vivo melhor com isso.
já me perdi a andar a pé, já apanhei duas vezes o comboio errado no mesmo dia, já fui ter à fnac quando era suposto ter ido ter à “fac” (leia-se, faculdade). engano-me frequentemente no lado do metro ou direção do autocarro (principalmente se for circular). durante o meu Erasmus fiz mais explorações acidentais da cidade do que propositadas, conheci pessoas e lojas e ruas que nunca consegui rever por não me lembrar do caminho que me tinha levado lá.
tenho sempre a cabeça na lua – tropeço uma média de dez vezes por dia, vou contra portas e esquinas e armários e tudo e mais alguma coisa, esqueço-me de esperar pelo verde para peões e arrisco ser atropelada, choco com postes e árvores e caio em escadas e rampas, ruas lisas e em paralelo. e nem sequer uso saltos altos.
comecei este post com a intenção de estabelecer um paralelismo entre o gps e os sinais que as outras pessoas e o mundo à minha volta no geral me dão, e a minha falta de capacidade frequente para interpretar ambos corretamente. às vezes penso esquerda e viro à direita (mas só na estrada); às vezes acho que alguém quer o meu bem e uns meses depois descubro que não. gostava que existisse um gps para relações e para a humanidade, algo que ajudasse nas decisões do dia a dia – será que vale a pena investir nesta amizade ? será que compensa ir a este encontro / aceitar esta proposta / escolher este tema de dissertação / assinar este contrato /alugar esta casa / confiar nesta pessoa etc etc etc
algo que previsse com alguma antecedência o trânsito e os obstáculos que cada caminho possível acarreta e representa e calculasse o percurso mais rápido e sem portagens ou operações STOP. um gps de emoções e de decisões.
mas depois de tudo o que revelei eleva-se uma pergunta mais do que evidente – se este gps existisse, será que seria capaz de o seguir sem me perder? sou despassarada na estrada e por vezes na vida, mas cada vez acho mais que acabo sempre por chegar onde devia – mesmo que depois da hora combinada. e nem tudo é mau. perco frequentemente o sinal do gps, mas encontro sempre algo diferente e inesperado (nem que seja uma rua sem saída), e acumulo histórias e aventuras que valem bem mais do que os minutos perdidos em filas de trânsito evitáveis. e estou genuinamente okay com isso.