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Assemelha-se a ti, o oceano.

              Assemelha-se a ti, o oceano. Infinito e profundo. Agitado à superfície, calmo e misterioso nas profundezas. As tuas ondas de humor e afecto assombram-me de forma rítmica, num tique-taque constante de avanços e recuos, de cedências e condescendências. És incapaz de proferir palavras certas e finais, ou de me dar uma resposta directa que não evoque mais dúvidas do que as contidas na minha pergunta inicial. Conversar contigo é como jogar um jogo de tabuleiro em que eu sou o peão e tu o detentor das regras, sem que me seja concedido acesso às mesmas. Escapa-me o objectivo. Não costumo hesitar quando entro no oceano – mesmo quando a temperatura da água me convida a voltar ao areal, mergulho de cabeça sem pensar duas vezes. Acredito que tudo é mais fácil quando submergimos de uma vez. No entanto, sou incapaz de fazer o mesmo com o oceano que és tu. Dou por mim a lutar por manter o equilíbrio enquanto a tua maré me troca as voltas, me empurra e puxa simultaneamente, me envolve com uma espuma de indiferença seguida de uma onda de carinho e afecto. Preferia mergulhar e afogar-me, saber de uma vez por todas o que está no fundo, na concha do teu ser, do que continuar a flutuar no desconhecido. Mas encontro-me demasiado receosa e covarde para descobrir a verdade dos teus sentimentos, incapaz de arriscar destruir a fantasia que criei na minha mente. E assim continuo, agarrada a uma jangada que diminui a cada dia que passa, incapaz de afastar o sentimento de que não há forma de eu sair ilesa desta aventura, mas também impossibilitada de me afastar agora – sou como um marinheiro iludido pelo canto da sereia que se deixa arrastar contra as rochas afiadas até perder os sentidos. Sou talvez ainda pior, pois consigo sentir-me a ser arrastada e em vez de nadar contra a corrente deixo-me ir, mergulho-me na possibilidade, com a certeza de que os penhascos me vão trespassar o coração. Assemelha-se a ti, o oceano. Igualmente belo, fascinante e assustador. Assemelha-se a ti, o oceano.  

                               - Rita P. Magalhães (Julho 2019)
Julho de 2020 – Praia de Matosinhos

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